Wednesday, August 8, 2007

Vitamina C

Acordo às seis da manhã, ouvindo, como se estivessem dentro de meu quarto, carros que conduzem ao trabalho, certeiros, pessoas que não precisam contorcer-se na cama agonizando diante de mais um dia que irrompe. Ainda tento uma última fuga da realidade enfiando, de bruços e desajeitadamente, a cabeça debaixo do travesseiro. A dor martiriza meu pescoço e resolvo tentar o outro lado, o direito. Não há mais o que fazer: o sol já vence a resistência das persianas e castiga minhas pupilas descobertas por pálpebras trêmulas e roxas. O nariz e a garganta foram, como cada centímetro quadrado de Brasília nesta época do ano, abandonados pela umidade. Tateio sobre o criado mudo um copo e deixo minha goela acreditar que pelo menos por aquele gole vale a pena começar o dia. Não sei por que razão, decido tomar também um comprimido de vitamina C que retiro de um frasco preenchido pela metade. Comecei a tomar essa vitamina para recuperar-me de uma cirurgia feita dois meses atrás. A oitava de meus trinta e um anos de sobrevida. Corte cicatrizado, ácido ascórbico abandonado. Talvez inconscientemente tenha voltado a tomar os comprimidos hoje porque fui advertido por um médico na semana passada de que a nona cirurgia pode ser iminente. Ou talvez espere que esse C entre, mesmo que minúsculo, em meu corpo, expulse o D que não me abandona, e dê um pouco de cor a minha vida.

Hoje não é quarta-feira e posso ficar em casa. Decidi que às quartas não fico mais em casa. Acho antiético levantar os pés para minha faxineira limpar a poeira sabendo que a limpeza semanal de meu apartamento é sua única fonte de renda atualmente. Prefiro que ela não tenha de contorcer-se na cama tentando entender por que essa renda, mísera, é paga por alguém que nem está trabalhando. Mas hoje é segunda-feira e ela não vem, então meu copo de café preto, sem açúcar, pode ser tomado debruçado no parapeito da janela, fitando o Paranoá. Poderia assistir ao noticiário, mas tristeza com raiva é combinação dolorosa demais. A cada vez que ouço nomes de senadores envolvidos em escândalos minha vontade é de jogar-me do quarto andar onde moro, já que não tenho coragem de ir ao Senado ou ao raio que me parta e cuspir na cara de cada um deles. Além disso, um quarto andar me renderia, no máximo, uma décima cirurgia.

Desde que decidi que minha carreira na ONU não fazia sentido, não consigo encontrar sentido em mais nada. Não é uma daquelas crises de depressão que atacam entre o fim de um namoro e o próximo aumento de salário. É daquelas que se sentem quando ainda se é jovem demais para saber o significado da palavra depressão e parecem que só vão acabar quando estiver tudo acabado. Pelo que me consta, emprego não me falta; só me falta disposição. Este ano mesmo tive um bom, no Ministério do Turismo. Custava-me, entretanto, convencer turistas a virem para o Brasil sem poder dizer-lhes que correm o risco de serem assaltados ainda na Linha Vermelha – recém-saídos do aeroporto – ou que, livres desse infortúnio, terão sorte se escaparem de um pilhagem em Copacabana. Isso se não morrerem com uma bala perdida na cabeça.
Alguns amigos me dizem que o melhor é fazer concurso público. Ainda não sei bem o motivo de não fazer um: não consigo decidir se é por pura apatia e preguiça ou se é por acreditar que eles só aumentam a mediocridade da administração pública brasileira, infestada de pessoas competentes – pois hoje em dia não é qualquer um que passa em concurso – que se esforçaram tanto para nunca mais terem de fazer qualquer esforço na vida. É a tal estabilidade, conceito que não domino.

Como meu nariz, minha pele e meu cabelo, meu copo de café também já está seco. Já que não é quarta-feira, decido eu mesmo dar uma geral na cozinha. Pego o filtro descartável que usei na cafeteira minutos antes e jogo-o no lixo com tocos de cigarro e resto de pão. Apesar de os alertas sobre a destruição do meio ambiente serem cada vez mais constantes nestes dias, na minha cidade, capital do país, ainda não existe um programa de reciclagem de lixo. Gostaria de reciclar minha vida.

Texto de Adriel Dutra Amaral.

3 comments:

Roberta said...

Adrieuuuu!
Bem vindo ao nosso programa de nerd, como diz a G! Menino, tá na hora de reciclar mesmo, xô baixo astral :)

Ana Cristina Barros said...

Adriel, boto fé de em vez de (ou além de) escrever blog, começar a escrever um livro ou um conto! Esses momentos de baixo astral, de depressão pedem um "outlet". e nada melhor q escrever. E é só nesses momentos que a gente consegue escrever com qualidade. Quando estamos felizes, serelepes não dá pra escrever bulhufas. Só sai bobagem. Eu adorei ler seu blog - captura a essência do q é estar sem saco... beijos! saudade!!

Anonymous said...

Ressaca brava hein?!